Dois dias depois de ser presa e levada para o quartel do Exército em
Vila Velha, cidade próxima a capital Vitória, no Espírito Santo, a jornalista
Míriam Leitão, na época militante do PCdoB, foi retirada da cela e escoltada
para o pátio.
Seu suplício, iniciado no dia 4 de dezembro de 1972, até ali já incluía
tapas, chutes, golpes que abriram a sua cabeça, o constrangimento de ficar nua
na frente de 10 soldados e três agentes da repressão e horas intermináveis
trancada na sala escura com uma jiboia.
A caminho do pátio escuro, os torturadores avisaram que seria último
passeio, como se a presa estivesse seguindo para o fuzilamento.
— Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um
corpo mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada
de cães e fuzis, e pensei: “Eu sou muito nova para morrer. Quero viver”.
Míriam Leitão, 42 anos depois de viver a traumatizante experiência da
tortura nos porões do regime, cedeu aos apelos do jornalista gaúcho Luiz
Cláudio Cunha.
Em longo depoimento divulgado nesta terça-feira pelo portal
“Observatório da Imprensa”, ela deu detalhes sobre o que sofreu no quartel de
Vitória, e revelou o nome do chefe da equipe de torturadores: Pablo. O mesmo
codinome usado pelo tenente-coronel Paulo Malhães, na época agente do Centro de
Informações do Exército (CIE), que contou ao GLOBO, há dois anos, que usava em
seus interrogatórios uma cobra apelidada de “Míriam”.
Quando a reportagem com Malhães foi publicada, Míriam Leitão
emocionou-se e teve vontade de chorar. Ela jamais esqueceu das horas de terror
com a jiboia, período em que procurou não se mexer para não atrair o réptil.
Porém, num primeiro momento, resolveu esconder sua experiência até dos filhos.
Mudou de ideia, recentemente, depois da divulgação de relatórios
produzidos pelas Forças Armadas, a pedido da Comissão Nacional da Verdade, nos
quais Exército, Marinha e Aeronáutica negaram a ocorrência de “desvios de
função” nas suas unidades durante o regime militar.
— Eu vivi o desvio de função — disse ao Globo.
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