Opinião: A porta do desenvolvimento é o porto


Por Giovanna Martins Wanderley *

De caráter não exaustivo, a relação das atividades essenciais à comunidade prevista pela Lei Federal nº 7.783/89 pode ser regulamentada pelo Poder Executivo a depender da situação, como ocorreu com o advento da pandemia do COVID-19, que impôs a restrição de boa parte das atividades sociais, comerciais e econômicas. Por meio da Medida Provisória 945/2020, a atividade portuária foi considerada essencial e sua continuidade foi mantida.

Muito se viu na mídia acerca da não paralisação das atividades portuárias, determinantes para manutenção da circulação de bens e mercadorias, necessárias ao abastecimento da população e ao cumprimento de boa parte dos negócios dependentes do transporte marítimo. 

Nesse cenário, o porto ganhou evidência pelo seu aspecto econômico, o que inclusive acelerou o andamento dos trâmites para desestatização dos terminais previstos pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI).

É bem sabido que, há muito tempo, a influência do porto não se limita aos negócios nele firmados, repercutindo na vida dos trabalhadores marítimos, dos habitantes de sua cidade-sede e até da região da qual faz parte, logo, a essencialidade só agora efetivamente conhecida, sempre existiu.

Tomemos como exemplo o município de Areia Branca/RN, maior produtor de sal do país, que abastece ao mercado interno e externo e, desde sua fundação, a cidade-sede vive praticamente, em função do mineral e por consequência do seu porto.
Consoante o estudo elaborado pelo Ministério da Infraestrutura1 em 2015, o Terminal Salineiro de Areia Branca movimenta exclusivamente sal que é produzido por empresas salinas do Rio Grande do Norte e transportado em barcaças até o Porto-Ilha (Ilha artificial construída em 1974). A partir do terminal, o sal é exportado ou enviado para outros estados na navegação de cabotagem.

Em 2014, foram 1,52 milhão de toneladas do mineral, sendo 674 mil toneladas de exportação e 851 mil toneladas de embarque de cabotagem. Estimou a pesquisa que até 2030 a demanda alcançasse 1,67 milhão de toneladas. Com o COVID-19, os números talvez mudem. Do ponto de vista econômico o terminal salineiro, embora tímido, se comparado aos grandes portos nacionais, é essencial para economia potiguar sobretudo a de Areia Branca e região oeste e desde sua fundação não parou, nem em meio à pandemia.


No entanto, há que se ressaltar que a essencialidade dos portos, aqui ilustrado pelo Terminal Salineiro de Areia Branca, sempre existiu e não se limita a um elemento isolado de propulsão da economia.

Em periódico formatado pelo IBGE em 1962, se vê nitidamente o quanto o Porto de Areia Branca foi determinante também para o desenvolvimento social e cultural da cidade e região Oeste do Rio Grande do Norte. Senão vejamos um excerto do documento:
"O porto de Areia Branca está situado a 4° 57' 19" de latitude sui e 37° 08' 16" de longitude W. Gr.; dista 35 milhas de Macau, 165 de Fortaleza e Natal, e 1. 394 do Rio de Janeiro (GB). O tráfego marítimo, em 1960, acusou a entrada de 311 navios (maior número do Estado), somando 207 toneladas de registro (só superado, no Rio Grande do Norte, por Natal). Toda a Zona Oeste do Estado escoa ou recebe mercadorias através desse porto. (...) A sucursal da Mossoró Comercial e Navegação Ltda é correspondente local dos Bancos do Brasil, do Povo, de Mossoró e Comércio e Indústria Norte-Rio-Grandense. (...) 0 Município contava, em dezembro de 1960, com 30 unidades escolares de ensino primário geral, com 49 profess6res e 1 141 alunos matriculados no início do ano. 6 escolas são municipais, 11 subvencionadas pela Prefeitura, 9 estaduais, 2 subvencionadas pelo Estado e 2 mantidas pelo SESI e Sindicato dos Estivadores. Os tais estabelecimentos de ensino médio existentes, o Curso Normal Regional, estadual, e a Escola Comercial, municipal, contavam, em 1961, o primeiro com 11 e o segundo com 19 professores e, respectivamente, 37 e 91 alunos. Em 1960, 16 alunos terminaram curso: 12 o comercial e 4 o normal. A Biblioteca Municipal conta com m ais de 2 100 volumes. O Cine-Teatro São Raimundo tem capacidade para 436 pessoas e o Miramar, para 624. A Rádio Difusora de Areia Branca mantém diversos amplificadores na cidade. Realiza-se tradicionalmente, a 16 de agosto, a procissão fluvial de Nossa Senhora dos Navegantes e, a 8 de dezembro, a da Padroeira, N. Sra. da Conceição2."

Areia Branca, cujo nome alude às salinas, observou crescimento populacional após a atividade extrativista atrair trabalhadores de todo o estado para o local, já que muitas empresas se instalaram por lá. Na cidade onde a festa de Nossa Senhora dos Navegantes é mais difundida que a da padroeira Nossa Senhora da Conceição, se formaram novos núcleos familiares entre locais e imigrantes.

A constante visita de “pessoas de fora” à cidade trouxe novos conceitos de música, comida, danças, livros, línguas, moda, moedas, pesos e medidas. Assim como a disciplina personificada nos oficiais da Marinha do Brasil e a organização dos estivadores no sindicatos também “moldaram” a forma de trabalhar e se portar em naquele grupo social portuário.

Com a educação comercial arraigada na cidade desde à época das escolas comerciais, Sindicato dos Estivadores e o trabalho nas empresas do ramo marítimo, muita gente fez carreira na área portuária, sendo bastante comum que em cada família de Areia Branca possua ao menos um trabalhador “do mar”, residindo ali ou tendo migrado para outras cidades portuárias brasileiras.

O trabalho em embarcações demandou do marítimo a capacidade de adaptação em confinamento, convivência em grupo e sob condições de víveres limitados, noções de primeiros socorros, trabalho em equipe, isolamento social, restrições muito assemelhadas às condições de vida impostas atualmente pela Covid-19 aos não marítimos.

Citemos que, com o porto, os areia branquenses passaram a ter conhecimentos não só de prática náutica, mas também de boa parte dos verbetes do inglês marítimo. A pesca do atum, a chegada dos esportes aquáticos (principalmente o kite surf), bem como o aumento do número de restaurantes e hotéis motivaram, inclusive, a abertura do primeiro Curso de Turismo do interior nessa Cidade. O turismo também foi responsável pela criação do Polo Costa Branca, projeto de valorização turística e econômica da região, cujo nome remete ao sal e a cor das dunas do litoral da zona oeste do estado.

Assim como no turismo, a atividade portuária também foi coadjuvante na consciência ecológica dos habitantes e pesquisadores em Areia Branca, que passou a contemplar projetos ambientais, como o “Cetáceos da Costa Branca”, idealizados pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) o Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental (Cemam).

A partir das linhas etnográficas acima, infere-se que a essencialidade da atividade portuária sempre existiu, mas era desconhecida por maior parte do país, até agora. Agora, todos sabem que tudo que chega a nossa porta foi a graças a um porto e no porto está à porta para o desenvolvimento.

1 Plano Mestre do Terminal Salineiro de Areia Branca. Disponível


2 IBGE – Periódicos. Areia Branca. Periódico nº 25. Disponível em: https://tinyurl.com/y88j38lt. Acesso em: 16 maio 2020.

Giovanna Martins Wanderley é advogada especialista em Processo Civil, graduanda em Ciências Sociais pela UERN e pós- graduanda em Direito Marítimo Portuário pela Maritime Law Academy

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