Exploração de atividade comercial através
do direito à livre circulação contra a alegação de perturbação do sossego
alheio.
Essa foi uma questão que a Justiça do RN teve que
resolver.
De um lado, uma empresa que vende seus produtos nas ruas da capital,
anunciando os picolés com carrinhos de som. De outro, um advogado incomodado
com o barulho que é produzido.
A disputa superou a esfera cotidiana e
bateu à porta do Judiciário, sendo decidida, em segunda instância pelos
desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Com a
unanimidade de votos, a empresa saiu vencedora.
O caso chegou ao Judiciário por um
advogado que alegou que vem sofrendo graves transtornos e aborrecimentos por
causa do de "ruído exagerado" ocasionado por vendedores da empresa ao
conduzirem carrinhos de som, para venda dos produtos, em frente a sua
residência, no Barro Vermelho, na Zona Leste de Natal.
Ainda de acordo com ele, o barulho era
acima dos padrões estabelecidos, de modo que a sua integridade psíquica e o seu
sossego vinham sendo ofendidas com frequência, várias vezes ao dia durante a
semana, inclusive aos sábados e domingo, nos horários de repouso, entre 12h e
14h.
Já a empresa afirmou à Justiça que os
carrinhos passam esporadicamente e no horário comercial, anunciando os produtos
sem exagero e em intensidade sonora menor que outros ruídos da rua. Apontou
ainda que para até 45 decibéis são ruídos toleráveis para área residencial
conforme resoluções federais. Além disso, alegou que não existia prova técnica
que atestasse a poluição sonora, e atacou o pedido de indenização por danos
morais, pedindo pela improcedência da ação.
Na primeira instância, o Juízo da 8ª Vara
Cível de Natal julgou improcedentes os pedidos formulados à petição inicial. Na
ocasião, a julgadora entendeu que os atos da vida cotidiana, os contratempos e
desventuras corriqueiras não estão abrangidos pela responsabilidade civil e que
a prova a indicar que os ruídos ultrapassam o limite do que é razoável
simplesmente não foi produzida.
A magistrada alegou, na análise dos autos,
que o que se tentou combater com a ação foi o trânsito de carrinhos de picolés
da empresa pela rua do autor e circunvizinhas, por causa do barulho produzido
quando circulam, o que certamente, no seu entendimento, não caracteriza dano
moral, impondo-se a total improcedência da demanda judicial.
Apelação
O advogado, então, recorreu ao Tribunal de
Justiça, afirmando que “não há pedido na inicial para que se impeça a livre
circulação de pessoas em via pública”, de forma que a fundamentação constante
na sentença, nesse sentido, é exorbitante. Denunciou que a magistrada
“praticamente advoga em favor da parte ré quando apenas considera o ônus do
autor em provar o alegado”.
Ele ainda sustentou no recurso que o dano
se caracteriza pela perturbação ao sossego decorrente de atividade comercial
exercida em desconformidade com as normas legais e que é cabível a indenização
em danos morais.
Porém, o relator da Apelação Cível no
TJRN, desembargador Cornélio Alves, entendeu que sendo a inversão do ônus
probatório medida excepcional e inexistindo qualquer dificuldade ou
impossibilidade do autor demonstrar o que alega nos autos, é incabível sua
concessão.
De acordo com o relator, no caso, não se
pode deixar de reconhecer que o eventual barulho emitido pela caixa de som dos
carrinhos de picolé da empresa apenas transitam pela rua do autor, sem realizar
parada, de forma que é muito rápido o momento em que passam por sua residência,
sendo desarrazoada a reclamação de emissão de ruídos insuportáveis.
“Nesse diapasão, é natural a produção de
sons da rua ocasionado por vários fatores, tais como movimento de pessoas,
motocicletas e carros circulando, o que, por óbvio, não pode ser obstado pelo
simples desconforto que isso pode gerar em alguém”, considerou, não renovando a
proibição de circulação concedida liminarmente.
No pensar do julgador, impedir que o
revendedor da empresa trafegue pela rua do autor oferecendo seus produtos
através de alto-falante, seria obstaculizar seu direito de livre acesso onde
quer que queira circular, vez que, em tese, a simples utilização de som não
afronta qualquer disposição legal.
“Assim, ocupar o Judiciário com causa de
pequena complexidade, que se pode resolver de forma pacífica através do diálogo,
fazendo uso do bom senso, ocasiona retardo enorme na prestação jurisdicional e,
consequentemente, a insatisfação dos que buscam à justiça a procura de solução
de litígios que verdadeiramente necessitam da intervenção do Estado-Juiz”,
assinalou o relator, negando a indenização por eventual perturbação ao sossego
alegada.
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